por Thadeu J. Silva Filho
Política é o palco do poder. E poder é a imposição de uma vontade sobre a outra. Sempre que a vontade de alguém é substituída pela de outra pessoa estamos diante de uma manifestação de poder e, portanto, de algum nível de política. Geralmente, as discussões políticas giram em torno da busca por um mundo melhor construído pelo homem. Entretanto, de acordo com a cosmovisão bíblica, isso é impossível.
Como reflexo de nossa realidade, as discussões sobre ideologias políticas também alcançaram os líderes religiosos. Contudo, parece que esse assunto não deveria ocupar o tempo dos ministros do evangelho. Ellen White escreveu: “O Senhor quer que Seu povo enterre as questões políticas. Sobre esses assuntos, o silêncio é eloquência. Cristo convida Seus seguidores a chegar à unidade nos puros princípios evangélicos que são positivamente revelados na Palavra de Deus.”1
Como líderes cristãos, podemos defender plenamente algum posicionamento político? O propósito deste artigo é promover essa reflexão com base nos princípios da Palavra de Deus.
Esquerda e direita
O início da discussão “direita x esquerda” tem data, lugar e cenário conhecidos: fim do século 18, na França. Tão logo foi instaurada a Assembleia Constituinte de 1789, os favoráveis à manutenção do poder do rei se sentaram do lado direito, para não se misturarem com os defensores da revolução. A partir da queda do Muro de Berlim, em 1989, apareceram muitas outras concepções sobre “direita” e “esquerda”.
Uma diz que direita é quem está no poder, e esquerda, a oposição. Entretanto, ao fim do mandato, partidos e pessoas que estão de um lado podem passar para o outro, a depender de quem passa a exercer o poder. Outra diz que a diferença está ligada à propriedade, com a direita promovendo um mercado cada vez mais livre de regulação estatal, e a esquerda lutando por maior controle estatal da economia. Uma terceira compreensão vê que a polarização é uma concepção de justiça, estando no polo direito os defensores de que o dinheiro deve ir para quem trabalha mais, e no esquerdo, para quem precisa mais. Um outro ponto de vista se fundamenta nas bases filosóficas das ideologias, a ponto de ver tantas diferenças internas nos polos que preferem chamar de “as esquerdas” e “as direitas”, no plural. Ainda há quem diga que o debate “direita x esquerda” não tem mais sentido diante do cenário complexo de ideologias políticas conflitantes, ao passo que um outro entendimento afirma que o cenário social chegou a tal ponto de complexidade que passou a exigir uma terceira via, o centro. Por fim, existem defensores da ideia de que esquerda e direita existirão somente enquanto os Estados Unidos forem o país mais poderoso do mundo.
Duas frases explicam com clareza os fundamentos de cada polo: para a esquerda, os problemas do mundo são causados pelas estruturas injustas da sociedade, isto é, por alguma coisa fora do ser humano. Para a direita, a fonte de todas as boas realizações é a natureza humana, ou seja, o que está dentro do homem é bom e fundamenta toda boa coisa. Tudo o mais, de um lado ou de outro, deriva dessas duas concepções.
No que esses dois entendimentos são compatíveis com a Bíblia? Em nada! Para a cosmovisão bíblica, quem pode ser transformado é o ser humano, não o mundo. A causa do problema é o pecado, não algo fora da pessoa. O objetivo da ação de Deus é restaurar Sua imagem em Seus filhos. Os inimigos devem ser amados e os meios de existência são a comunhão pessoal com Deus, o ensino, o cuidado com o outro e a pregação do evangelho. Nosso foco não está nem para a esquerda nem para a direita, mas para cima!
A esquerda e a cosmovisão bíblica
De acordo com a cosmovisão bíblica, o cristianismo não está alinhado às ideologias de esquerda; nem mesmo aos aspectos que podem parecer iguais à primeira vista, como o amparo aos pobres, por exemplo. Quando a esquerda apresenta ideias similares às de Cristo, estabelecem-se pontos comuns, mas só na aparência. A proteção aos pobres é um discurso muito atrativo, especialmente em regiões como a América do Sul, onde há muita gente vivendo em condições precárias. No entanto, olhando com atenção, é possível ver que tal discurso não é o núcleo da ideologia da esquerda nem está relacionado à religião de Cristo, por ser uma plataforma de ação política, ou seja, algo que opera segundo a lógica do poder e que está longe do amor abnegado de Jesus. Além disso, ainda que o objetivo das esquerdas fosse emancipar o ser humano das injustiças do capitalismo (conforme Karl Marx), vê-se com ainda mais clareza que não é o mesmo objetivo de Jesus.
Qualquer pessoa que decidir auxiliar o próximo encontrará em Cristo – e não em outra pessoa ou ideia – a concretização perfeita do cuidado pelo ser humano. Ao atender miraculosamente as necessidades humanas, Jesus usou elementos conhecidos para chamar atenção para algo maior: o amor e a justiça de Deus. Assim, de acordo com a cosmovisão bíblica, a religião de Cristo pode ser vista como a religião do outro. Portanto, a missão da igreja inclui cuidar das pessoas, mas com vistas a motivá-las a querer o reino de Deus que um dia há de livrar definitivamente o ser humano da condição degradante do pecado – não para ficar aqui.
É um erro achar que a esquerda reflete o cristianismo. Há pouco tempo, a religião bíblica era a expressão de Deus revelada no Seu amor e na Sua graça, tendo Cristo como o ápice de Sua revelação. Em poucas décadas, porém, a propaganda da esquerda disse que ela era algo “social”, fazendo a religião de Jesus perder seus propósitos, deixando de transformar vidas e de anunciar as boas-novas da salvação, a fim de tratar das preocupações terrenas.
O legado mais grave da esquerda é levar as pessoas a crer que algo só existe se puder ser visto e tocado. Isso adestra o pensamento a meditar nas coisas somente a partir de fatores externos e pelas categorias humanas de pensamento, eliminando do raciocínio as explicações bíblicas.
A direita e a cosmovisão bíblica
As ideologias de direita são igualmente incompatíveis com a cosmovisão bíblica. Se a fragilidade das esquerdas consiste em afirmar que os problemas são causados por algo externo ao ser humano, e que a eliminação das estruturas injustas da sociedade faria desaparecer tais problemas, a das direitas é construir seu edifício sobre algo inerente ao homem, a saber, o egoísmo natural – entendido como algo virtuoso e fonte das realizações. É esse núcleo o que dá base a seus ideais sociais, econômicos, políticos, jurídicos, científicos e artísticos. Elas partem do princípio de que a ambição natural de acumular, o desejo inato de poder e a imagem de si como alguém mais importante do que o outro sejam as virtudes e os atributos que geram os melhores sistemas de organização da sociedade. Todas as suas outras construções derivam disso.
Há vertentes teóricas que advogam que as ideologias de direita sejam a transcrição política do cristianismo ou as que mais se aproximam dele por defender valores como a família, por exemplo. Contudo, uma observação rápida permite ver que os temas das ideologias de direita derivam de algo absolutamente contrário aos ensinos altruístas de Cristo. Ainda que alguns cristãos se aproximem da direita, a adesão deles a ela não a torna um estandarte do cristianismo.
Mesmo não sendo sinônimo de cristianismo, não tendo a mesma natureza nem seu fundamento, a direita conta, de fato, com uma ala cristã – vista claramente nos Estados Unidos. Em dois aspectos essa ala cristã da direita se assemelha às ideologias de esquerda de modo nítido: entende que o mundo pode e deve ser mudado e faz dessa mudança sua bandeira de luta. Se, por um lado, a mudança proposta pelas ideologias de esquerda é acabar com as estruturas injustas da sociedade, por outro, a da ala cristã da direita é instalar o reino de Deus no mundo, como se isso fosse possível e como se essa fosse a tarefa para a qual o Senhor tivesse chamado as pessoas.
O cristão e a política
Poucas questões políticas são verdadeiramente espirituais. A liberdade religiosa é uma delas; possivelmente, a de maior relevância. É também a mais recorrente na história. A Bíblia mostra casos de violência e de perseguição gerados simplesmente contra a liberdade que as pessoas têm de adorar a Deus. As histórias de Sadraque, Mesaque e Abede-Nego, Daniel, Estevão e Paulo dão testemunho disso. Mesmo que os cristãos reconheçam o papel da autoridade temporal (Mc 12:13-17; At 26:9-12; Rm 13:1-7; 1Tm 2:1, 2; Tt 3:1, 2; 1Pe 2:13-17), continuam sendo alvo de perseguição por parte de outros indivíduos por causa da liberdade
religiosa.
Um segundo aspecto também merece atenção. Quando alguém se torna cristão, ele admite a cosmovisão bíblica como normativa para si. A Bíblia se torna o critério pelo qual a realidade é julgada, incluindo as ideologias políticas, filosóficas, científicas ou de qualquer outra natureza que se apresentem. Assim, caso o cristão queira adotar uma ideologia para viver, ela competirá com a autoridade da Palavra de Deus, e o resultado desse embate mostrará o que é mais importante para ele: se as Sagradas Escrituras ou as ideologias humanas. Ainda, se o reino de Deus não é deste mundo (Jo 18:36), e se os filhos de Deus também não são (Jo 17:14, 16, 18), por que adotar uma ideologia do mundo? Por acaso, querem viver no mundo para sempre? A admoestação de Paulo parece ser apropriada nesse sentido: “Tenham cuidado para que ninguém os escravize a filosofias vãs e enganosas, que se fundamentam nas tradições humanas e nos princípios elementares deste mundo, e não em Cristo” (Cl 2:8, NVI).
O pastor e a política
Independentemente das condições de vida de um país, a Bíblia chama as pessoas a se arrepender e crer no evangelho, proclamando que o reino de Deus está próximo. Essa é a essência da mensagem divina do Antigo ao Novo Testamento. Esse é o cerne da pregação dos reformadores do século 16, dos mileritas do século 19 e dos adventistas até a segunda vinda de Jesus. Todos os mensageiros evangélicos da história viveram em cidades com melhores ou piores condições de vida, com gente brigando por poder, mas não colocaram sua atenção no sistema nem nas circunstâncias. Em vez disso, pregaram a mensagem de juízo e de salvação, levando os ouvintes a decidir sobre seu destino eterno.
Se não pregarmos a Bíblia, quem pregará? Se misturarmos a Bíblia e a política, a Palavra de Deus será rebaixada à condição humana. Se os ministros de Deus se concentrarem nas coisas deste mundo, quem serão os pregadores do evangelho de Jesus? Quem anunciará a esperança da vida eterna? A quem as pessoas recorrerão quando quiserem aprender as Escrituras? “Todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo. Como, porém, invocarão Aquele em quem não creram? E como crerão Naquele de quem nada ouviram? E como ouvirão, se não há quem pregue?” (Rm 10:13, 14). “Vós sois o sal da Terra; ora, se o sal vier a ser insípido, como lhe restaurar o sabor? Para nada mais presta senão para, lançado fora, ser pisado pelos homens” (Mt 5:13).
Se um pastor acha que prestaria um serviço melhor à humanidade por meio da política, não deveria ser coerente e deixar o ministério pastoral, dedicando-se à carreira política integralmente? Ellen White foi muito contundente quanto a esse assunto, ao escrever que “todo mestre, ministro ou dirigente em nossas fileiras que é agitado pelo desejo de ventilar suas opiniões sobre questões políticas, deve converter-se pela crença na verdade ou renunciar à sua obra”,2 afinal, “o dízimo não deve ser empregado para pagar ninguém para discursar sobre questões políticas”.3 Em vez disso, cada ministro deve se lembrar de que a “cada dia o tempo de graça de alguém se encerra. Cada hora alguns passam para além do alcance da misericórdia. E onde estão as vozes de aviso e rogo, mandando o pecador fugir desta condenação terrível? Onde estão as mãos estendidas para o fazer retroceder do caminho da morte? Onde estão os que com humildade e fé perseverante intercedem junto a Deus por ele?”4 Como disse o apóstolo Paulo, “importa que os homens nos considerem como ministros de Deus” (1Co 4:1).
Referências
1 Ellen G. White, Fundamentos da Educação Cristã (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2016), p. 475.
2 Ellen G. White, Fundamentos da Educação Cristã, p. 477.
3 Ibid.
4 Ellen G. White, Patriarcas e Profetas (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2014), p. 92.
Fonte: Revista Ministério, páginas 16 a 18, julho/agosto de 2018.
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